Durante encontro oficial em Pequim no início de maio, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping consolidaram um pacote de tratados de cooperação entre Brasil e China que abrange áreas como comunicação pública, tecnologia climática, segurança digital e meio ambiente. Os acordos foram anunciados como parte de uma “defesa do multilateralismo” e aprofundamento da parceria estratégica entre os dois países.
A comitiva brasileira firmou 10 atos bilaterais, com destaque para memorandos de entendimento entre instituições estatais de mídia, agências de dados, ministérios do meio ambiente e setores científicos. A ênfase no combate às mudanças climáticas, no uso de inteligência para o campo e na coordenação midiática entre estatais levanta debates sobre os rumos da autonomia nacional na formulação de políticas internas.
Parceria na Comunicação Pública: intercâmbio institucional e novos parâmetros de produção de conteúdo
Um dos documentos firmados estabelece cooperação direta entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e o conglomerado estatal China Media Group. O objetivo declarado é o compartilhamento de experiências e coproduções. Embora tenha como base a diplomacia cultural, especialistas apontam que a troca de formatos, narrativas e diretrizes pode influenciar o direcionamento da comunicação pública nacional.
Tratado sobre economia digital e segurança cibernética: alinhamento técnico ou modelo regulatório?
Outro ponto sensível está no memorando entre o Ministério das Comunicações do Brasil e a Administração Nacional de Dados da China, que visa fortalecer a economia digital e a proteção de dados. A aproximação técnica, embora útil em padrões tecnológicos, também pode induzir um modelo de organização da informação mais centralizado, baseado em práticas de controle institucional aplicadas em países de cultura regulatória mais rígida.
Tecnologia climática com rastreamento permanente: novo satélite amplia vigilância territorial
O lançamento do satélite CBERS-6, fruto da parceria entre INPE e CNSA, prevê um avanço no monitoramento da cobertura vegetal brasileira mesmo sob nuvens. A tecnologia, estratégica para o combate ao desmatamento, também poderá ser usada para observações mais frequentes e detalhadas sobre o uso da terra. No contexto do setor produtivo, isso pode significar a adoção de um novo padrão de rastreamento climático institucionalizado, com impactos futuros sobre a gestão agrícola.
Declaração conjunta sobre o clima: compromissos de carbono e transição energética
Outro ponto central foi a assinatura da Declaração Brasil-China sobre Mudança Climática, na qual ambos os países reiteram apoio à economia verde, ao mercado de carbono e à transição energética. Esses compromissos, embora alinhados com o Acordo de Paris, podem impulsionar mecanismos de controle social da agenda ambiental, transferindo ao Estado o papel de mediador entre metas internacionais e práticas locais, inclusive no setor agropecuário.
Subcomissão ambiental: novos padrões de governança climática
No âmbito da COSBAN (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível), foi anunciada a criação de um subcomitê de meio ambiente. A proposta busca coordenação em biotecnologia, bioinsumos e biocombustíveis. A depender da aplicação, tais fóruns podem criar diretrizes externas para políticas públicas internas, elevando exigências técnicas e condicionando a produção agrícola a certificações de padrão global.
Bioeconomia e sustentabilidade como eixos de direcionamento produtivo
O acordo sobre bioeconomia firmado pelo Itamaraty e a Comissão de Desenvolvimento da China propõe a construção de cadeias de valor baseadas na sustentabilidade e na biotecnologia. Embora promova inovação, esse eixo pode resultar em direcionamento produtivo baseado em demandas transnacionais, dificultando a adaptação de pequenos e médios produtores a exigências institucionais cada vez mais complexas.
Produção cultural com parceiros estatais estrangeiros: coproduções e intercâmbios
Também foram firmados acordos na área cultural entre o Ministério da Cultura brasileiro e instituições chinesas de audiovisual. A proposta é incentivar a cooperação técnica e as coproduções entre os países. Considerando os modelos de produção pública adotados na China, o intercâmbio pode resultar em maior influência estatal na linha editorial de conteúdos culturais e informativos.
Tecnologia climática e dados rurais: impactos silenciosos sobre o campo
Combinadas, as políticas de rastreamento via satélite, metas ambientais externas e digitalização do campo podem configurar um novo paradigma de governança climática. Produtores rurais deverão adaptar-se a métricas reguladas por consórcios internacionais, que podem restringir práticas tradicionais sob o argumento de responsabilidade ambiental.
Intercâmbio estratégico ou modelo de influência regulatória?
Embora os tratados assinados sejam apresentados como avanços multilaterais, seu teor aponta para uma maior interdependência em áreas sensíveis da soberania política, comunicacional e territorial. O desafio do Brasil será absorver os benefícios dessa aproximação sem importar, junto, modelos de governança que podem impactar a liberdade institucional e a autonomia regional na formulação de políticas públicas.
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