O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), oficializou nesta sexta-feira (16) a suspensão parcial da Ação Penal (AP) 2668 contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), denunciado por envolvimento em uma suposta tentativa de "golpe de Estado". A medida se aplica apenas aos crimes que teriam ocorrido após sua diplomação e vale até o fim do mandato do parlamentar.
A decisão, que ignora parcialmente uma resolução aprovada pela Câmara dos Deputados para suspender integralmente a ação penal, acirra o clima de tensão entre o Judiciário e o Legislativo. A Resolução Legislativa nº 3/2024, aprovada dias antes, sustava todos os efeitos do processo, conforme previsto no artigo 53 da Constituição Federal — que garante imunidade parlamentar a deputados e senadores.
A interpretação do STF, contudo, foi seletiva: apenas os atos cometidos após a diplomação estariam cobertos pela imunidade, segundo Moraes. Os demais seguirão sob julgamento, incluindo acusações de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada. Assim, o deputado continuará respondendo criminalmente, apesar da vontade expressa do Parlamento de suspender todo o processo.
Como reação, o presidente em exercício da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), protocolou uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), contestando a decisão da Primeira Turma do STF. A peça foi distribuída ao próprio Moraes, mas a movimentação foi recebida com ceticismo nos bastidores da Corte. Ministros já a classificaram como “natimorta”, sob o argumento de que a ADPF não se presta a contestar decisões judiciais específicas.
Na prática, o STF deixou de cumprir a decisão soberana da Câmara, abrindo um precedente perigoso para o equilíbrio entre os Poderes. Para analistas críticos da Corte, o Supremo se arroga o papel de filtro da vontade do Legislativo, reinterpretando um artigo constitucional cristalino — o que, na visão de muitos, compromete o princípio republicano dos freios e contrapesos.
A crise teve início em fevereiro, quando a Câmara dos Deputados aprovou por maioria a suspensão da ação penal contra Ramagem. Com base na prerrogativa constitucional, a Casa determinou que nenhum processo penal poderia prosseguir contra o deputado enquanto ele exercesse mandato parlamentar. A Resolução foi clara e vinculante — ou deveria ser.
O que se viu, no entanto, foi um desmembramento do processo por parte do STF, numa clara recusa de obediência a uma norma do Poder Legislativo. A decisão de Moraes, mantida pela Primeira Turma, tratou a imunidade parlamentar como algo relativo, sujeito a interpretação do próprio órgão acusador. O resultado é uma judicialização política que deixa em xeque o papel constitucional do Congresso.
O caso Ramagem se tornou símbolo de uma disputa institucional maior. O que está em jogo não é apenas a liberdade de um deputado, mas a autonomia do Parlamento em face de um Supremo cada vez mais expansivo em seus poderes. Ao relativizar uma garantia constitucional em nome do combate ao golpismo, o STF flerta com o autoritarismo que afirma combater.
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