Em dezembro de 2017, a revista IstoÉ publicou a reportagem intitulada “Negócio suspeito”, assinada pelos jornalistas Octávio Costa e Tábata Viapiana, abordando a venda de uma universidade ligada à família do ministro Gilmar Mendes ao governo do Mato Grosso. A matéria gerou uma ação judicial por danos morais, ajuizada pelo ministro do STF, que ainda tramita e voltou à pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o relator passou a defender a condenação da publicação e de seus autores.
A reportagem questionava a compra, por R$ 7,7 milhões, da faculdade UNED — fundada por Gilmar e depois transferida à sua irmã — pelo então governador Silval Barbosa, aliado político do ministro. Com base em um inquérito do Ministério Público, a IstoÉ apontou possíveis irregularidades no negócio, como uso de recursos extraorçamentários, ausência de autorização legislativa e inconsistências na metragem do terreno. O texto também relacionou o caso a contratos com o IDP, instituição acadêmica ligada a Gilmar Mendes.
Gilmar alegou que a matéria extrapolou o direito à liberdade de imprensa ao empregar termos pejorativos e insinuar que ele “flertava com ilicitudes”. Segundo o processo, a revista teria "embaralhado verdades e conjecturas" com a intenção de manchar sua reputação. A defesa também afirmou que o conteúdo induziu os leitores a acreditarem que o ministro poderia ser denunciado por improbidade, o que nunca ocorreu. Por isso, requereu uma indenização de R$ 150 mil.
A ação foi julgada improcedente pela 24ª Vara Cível de Brasília e confirmada pela 5ª Turma Cível do TJDFT. O colegiado, sob relatoria do desembargador Ângelo Passareli, concluiu que não houve abuso ou ataque à honra, mas o exercício legítimo da atividade jornalística. Segundo o acórdão, a reportagem se baseou em documentos oficiais, apresentou a versão de Gilmar e respeitou os limites da crítica a agentes públicos. O relator destacou que o direito à informação deve prevalecer quando há interesse público evidente.
Apesar da derrota nas duas instâncias, Gilmar recorreu ao STJ. Inicialmente, o ministro Villas Bôas Cueva rejeitou o recurso monocraticamente, mas voltou atrás e levou o caso à Terceira Turma. Agora, em nova manifestação, Cueva afirmou que a reportagem está “permeada de ironias e insinuações” e que o conteúdo tem “nítido intuito de associá-lo, de forma pejorativa, a práticas antiéticas”, defendendo a condenação dos jornalistas e da editora.
O julgamento está em andamento no plenário virtual e conta com o voto favorável da ministra Daniela Teixeira ao relator. A decisão definitiva deve ser publicada nos próximos dias. Entidades como a Fenaj e a Coalizão em Defesa do Jornalismo alertaram para o risco de criação de um precedente de censura judicial contra jornalistas que atuam sem má-fé. Ambas reiteraram que críticas ácidas a autoridades públicas são amparadas pela Constituição e jurisprudência do STF.
A defesa dos jornalistas reforçou que a reportagem não acusou Gilmar de crime nem omitiu sua versão dos fatos, e que o conteúdo está amparado nos princípios do jornalismo investigativo. Para analistas conservadores, o caso desperta preocupação sobre o uso do sistema judicial por figuras públicas como instrumento para controlar a narrativa e inibir a liberdade de expressão, essencial para o equilíbrio democrático.
LEIA ABAIXO: Trechos da Revista IstoÉ (matéria “Negócio Suspeito” – edição nº 2505, de 15/12/2017).
1. “Inquérito do Ministério Público, ao qual ISTOÉ teve acesso, identifica irregularidades na estatização em 2013 de uma universidade privada, que pertenceu a Gilmar Mendes. Quem selou a transação de R$ 7,7 milhões foi o ex-governador Silval Barbosa, dileto amigo do ministro do STF.”
2. “Em Brasília, no entanto, até as emas que circulam pelos jardins dos palácios sabem que é praxe no serviço público a transferência de propriedades para parentes somente para se enquadrar às imposições legais. Uma mera formalidade. Na prática, em geral, os antigos donos continuam a influir nos destinos das empresas. É o que os indícios apontam aqui nessa transação para lá de suspeita.”
3. “O MP não descarta a ligação entre a estatização da universidade de Diamantino e a contratação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) – por coincidência, de propriedade de Gilmar Mendes – para realização de um concurso público (...). O IDP é outra incursão do ministro Gilmar Mendes no mundo acadêmico e que também já levantou uma série de suspeitas.”
4. “Mas a decisão mais vulnerável de Gilmar envolve o empresário Jacob Barata Filho (...). O ministro foi padrinho de casamento da filha de Barata em 2013. Há relação de proximidade entre investigado e juiz. Existe um problema de ordem ética. Não aos olhos de Gilmar. Ele não vê conflito de interesse e nem se declarou impedido de julgar os casos de Barata Filho.”
Alegações de Gilmar Mendes
- A reportagem ultrapassou os limites do direito de informar e da liberdade de imprensa.
- Imputou insinuações maliciosas, ilações e juízos de valor subjetivos para denegrir sua imagem.
- Acusou os jornalistas de “intercalar fatos com adjetivações maliciosas, baralhando verdades e conjecturas, para induzir os leitores a acreditar que ele flertava com ilicitudes das mais repugnantes.”
- Afirmou que não havia investigação contra ele e que a revista insinuou falsamente que ele seria denunciado.
- Disse que a exposição da sua imagem na capa da revista e o grande número de compartilhamentos (quase 8 mil) nas redes sociais agravaram o dano à sua honra.
- Fundamentou a ação nos artigos 5º, X e 220 da Constituição Federal, e em tratados internacionais como:
- Pacto de San José da Costa Rica
- Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
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